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  • Foto do escritorGabriely Di Folco Rocha

A casa de Isabel

Atualizado: 19 de dez. de 2021

Com apenas 16 anos, Clara Mello escreveu como a beleza de Isabel: tudo na medida certa.

Clara Mello, piauiense radicada no Rio, escreveu seu segundo livro com apenas 16 anos, durante o carnaval de 2010. A casa de Isabel foi publicada no ano seguinte pela mirabolante. Tratando luto, saudade, desejo, amor e tempo com uma austeridade espantosa, sua escrita prende do princípio ao fim.

Tudo parece feito sob medida. As personagens são bem elaboradas e tratadas com carinho de sobra. Sua escrita tem a leveza de um passeio no jardim, sem parecer fútil nem por um momento. As ilustrações de Fernanda Barreto foram adição perfeita à obra, refletindo a dor das personagens com seus traços sóbrios e adquirindo aos poucos a suavidade da esperança.

Em 143 páginas, conhecemos um período particularmente difícil para a sempre feliz Isabel, observado por seu melhor amigo Teo. Apesar de ser na primeira pessoa, a narrativa é delicada e amena, adquirindo contornos frugais de 3ª pessoa, sem perder a intimidade com os acontecimentos. É muito curioso acompanhar o desabrochar do próprio Teo, que passa de se sentir mero espectador da própria vida a se ver mais vivo junto a Bel.

Acontece num carnaval. Pro Teo, fingimento; Pra Isabel, libertação de um outro eu. Uma tragédia (que machuca demais pela sensação de que poderia ter sido evitada), leva os dois amigos de volta à casa de sua infância, com pais ausentes, mas com um ao outro e a casa por explorar. A aflição é tão próxima (e ligada aos dois) que força Teo a ver que seu refúgio de alegria e plenitude era uma imagem sublimada de Isabel – que também se sente sozinha, desolada e com saudade de voar.

O tema do luto repentino e, de certa maneira, do vazio da alma, é admiravelmente bem elaborado. Traduzido no distanciamento e mistério de Cecília, no esgotamento de Teo ou na ânsia de Isabel por viajar pelo tempo na velha casa, voltando pra quando acreditar era fácil, parece tudo muito próximo, com metáforas sempre bem trabalhadas. Outra coisa que salta aos olhos são os diálogos, naturais, e o raro domínio na construção de uma personagem masculina e introspectiva.

As páginas são poucas, mas significativas.

Afinal, precisamos nos encontrar. Onde será que estamos?

Esse livro é como um abraço (de Bel); seu maior defeito é que tem fim.



Clara parece ter encontrado, como os dois protagonistas, uma maneira de manter viva uma parte de cada tempo, e a menina que foi ainda canta em seus versos:


E só lembrei do acontecido quando alguém me perguntou

“E aquela história, passou?”

Passado. Acontece num piscar de olhos

E ao fim de algumas semanas

Dor de amor não me faz medo

Pode vir quente

Que eu me derreto

E depois me refaço

Sem pressa de sarar

Um dia desses, por aí,

Me enamorei de mim

E desde então

Não tive mais medo

Nem de começo nem de fim.


Quero a sorte de ser nada

E poder inventar tudo


Triz

Cada fato é cicatriz

cada amor um acidente

de que eu escapei por um triz

não sem ferimentos

mas sem ressentimentos

e sigo

feliz.


Me sinto pela metade

Por tudo que eu faria

Se eu quisesse,

se eu pudesse

Se fosse mil

E uma


Quero rasgar os instantes

Quero tudo o bastante

Quero acordar

Os poemas que não escrevi

E deixei a rima escapar

Com a certeza absoluta

equivocada

que na manhã seguinte

Ainda ia dar

Pra lembrar.


O fim

Está tudo bem

O fim não é tão

ruim assim.

Vamos ficar tão bem

Logo mais.

Cuida da sua dor

Que eu cuido da minha

E tudo isso

na hora certa

fica em paz.

A vida é tão doida

Quem sabe

A gente se reencontra

Algum dia

Ou nunca mais.


Se fosse minha essa rua

Se fosse nossa essa lua...

Eu vou ficar na minha

Se a minha também for a sua.


Quando a dor me chama

Diz que me pega na saída

Eu não espero

Eu não arrego

Eu vou à luta

Pra fazer o coração bater

Ou levar.

Não fujo do choro

Do coro do desconforto

Devo e pago o quanto puder

Sinto até esgotar o carnê

Vou até o fundo

Não deixo furo.

Dor à primeira vista

Ou em três vezes parcelada

Sem juros.


Estarei no meio do caminho

Não repara a bagunça

Ainda dá tempo

de pegar minha viagem no meio

E ficar, se quiser,

até o fim.

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