Com apenas 16 anos, Clara Mello escreveu como a beleza de Isabel: tudo na medida certa.
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Clara Mello, piauiense radicada no Rio, escreveu seu segundo livro com apenas 16 anos, durante o carnaval de 2010. A casa de Isabel foi publicada no ano seguinte pela mirabolante. Tratando luto, saudade, desejo, amor e tempo com uma austeridade espantosa, sua escrita prende do princípio ao fim.
Tudo parece feito sob medida. As personagens são bem elaboradas e tratadas com carinho de sobra. Sua escrita tem a leveza de um passeio no jardim, sem parecer fútil nem por um momento. As ilustrações de Fernanda Barreto foram adição perfeita à obra, refletindo a dor das personagens com seus traços sóbrios e adquirindo aos poucos a suavidade da esperança.
Em 143 páginas, conhecemos um período particularmente difícil para a sempre feliz Isabel, observado por seu melhor amigo Teo. Apesar de ser na primeira pessoa, a narrativa é delicada e amena, adquirindo contornos frugais de 3ª pessoa, sem perder a intimidade com os acontecimentos. É muito curioso acompanhar o desabrochar do próprio Teo, que passa de se sentir mero espectador da própria vida a se ver mais vivo junto a Bel.
Acontece num carnaval. Pro Teo, fingimento; Pra Isabel, libertação de um outro eu. Uma tragédia (que machuca demais pela sensação de que poderia ter sido evitada), leva os dois amigos de volta à casa de sua infância, com pais ausentes, mas com um ao outro e a casa por explorar. A aflição é tão próxima (e ligada aos dois) que força Teo a ver que seu refúgio de alegria e plenitude era uma imagem sublimada de Isabel – que também se sente sozinha, desolada e com saudade de voar.
O tema do luto repentino e, de certa maneira, do vazio da alma, é admiravelmente bem elaborado. Traduzido no distanciamento e mistério de Cecília, no esgotamento de Teo ou na ânsia de Isabel por viajar pelo tempo na velha casa, voltando pra quando acreditar era fácil, parece tudo muito próximo, com metáforas sempre bem trabalhadas. Outra coisa que salta aos olhos são os diálogos, naturais, e o raro domínio na construção de uma personagem masculina e introspectiva.
As páginas são poucas, mas significativas.
Afinal, precisamos nos encontrar. Onde será que estamos?
Esse livro é como um abraço (de Bel); seu maior defeito é que tem fim.
Clara parece ter encontrado, como os dois protagonistas, uma maneira de manter viva uma parte de cada tempo, e a menina que foi ainda canta em seus versos:
E só lembrei do acontecido quando alguém me perguntou
“E aquela história, passou?”
Passado. Acontece num piscar de olhos
E ao fim de algumas semanas
Dor de amor não me faz medo
Pode vir quente
Que eu me derreto
E depois me refaço
Sem pressa de sarar
Um dia desses, por aí,
Me enamorei de mim
E desde então
Não tive mais medo
Nem de começo nem de fim.
Quero a sorte de ser nada
E poder inventar tudo
Triz
Cada fato é cicatriz
cada amor um acidente
de que eu escapei por um triz
não sem ferimentos
mas sem ressentimentos
e sigo
feliz.
Me sinto pela metade
Por tudo que eu faria
Se eu quisesse,
se eu pudesse
Se fosse mil
E uma
Quero rasgar os instantes
Quero tudo o bastante
Quero acordar
Os poemas que não escrevi
E deixei a rima escapar
Com a certeza absoluta
equivocada
que na manhã seguinte
Ainda ia dar
Pra lembrar.
O fim
Está tudo bem
O fim não é tão
ruim assim.
Vamos ficar tão bem
Logo mais.
Cuida da sua dor
Que eu cuido da minha
E tudo isso
na hora certa
fica em paz.
A vida é tão doida
Quem sabe
A gente se reencontra
Algum dia
Ou nunca mais.
Se fosse minha essa rua
Se fosse nossa essa lua...
Eu vou ficar na minha
Se a minha também for a sua.
Quando a dor me chama
Diz que me pega na saída
Eu não espero
Eu não arrego
Eu vou à luta
Pra fazer o coração bater
Ou levar.
Não fujo do choro
Do coro do desconforto
Devo e pago o quanto puder
Sinto até esgotar o carnê
Vou até o fundo
Não deixo furo.
Dor à primeira vista
Ou em três vezes parcelada
Sem juros.
Estarei no meio do caminho
Não repara a bagunça
Ainda dá tempo
de pegar minha viagem no meio
E ficar, se quiser,
até o fim.
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