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  • Foto do escritorGabriely Di Folco Rocha

Mulherzinhas


Little Women, ou Mulherzinhas, na versão em português, é um livro de Louisa May Alcott, publicado em 1868. Através de crônicas do cotidiano, se estende de 1861 a 1865, narrando a história das irmãs Meg, Jo, Beth e Amy enquanto seu pai combate na Guerra da Secessão.

É uma narrativa fluida e de inspiração autobiográfica. Louisa transpõe suas lembranças de infância nas quatro irmãs (na vida real, Louisa, Elizabeth, Anna e Abby), vendo-se ela própria na disruptiva Jo. Essa ideia a permitiu transformar, com uma narrativa tranquila, um pai emocionalmente ausente num pai fisicamente ausente com o pretexto da guerra e fazer um tributo a doença que levou sua irmã já adulta ao retratá-la na pequena Beth.

O livro foi encomendado; não era o que a autora pretendia escrever. Louisa acreditava que as histórias para meninas eram levianas. Como confidenciou ao diário, em 1868:

“Comecei a escrever ‘Mulherzinhas’... Estou dando duro, ainda que não goste desse tipo de coisa. Jamais gostei de meninas, ou conheci muitas delas, a não ser minhas irmãs, mas nossas estranhas brincadeiras e experiências podem se provar interessantes, embora eu duvide.”

Ironicamente, essa foi sua publicação de maior sucesso. Ao expor com sentimento suas memórias de menina, ela retratou fielmente o dia-a-dia e as crenças – morais e religiosas – dos estadunidenses durante a guerra, gerando identificação, principalmente entre as jovens, que tinham um nicho muito pequeno da literatura dedicado a elas.

Imerso em sua época, Mulherzinhas valoriza imensamente o esforço pessoal e a moralidade. Os capítulos são separados de acordo com dificuldades das meninas e lições que a mãe lhes quer ensinar. Ao final deles, as meninas se reúnem na icônica cena das cinco costurando ao redor da lareira enquanto conversam sobre seus aprendizados. Falam sobre arrependimento e melhoras, além de fazer castelos para o futuro.

“O Peregrino”, romance alegórico do pastor protestante John Bunyan, é referência constante para as protagonistas da obra. Além da forma do texto, que narra primeiro os acontecimentos e depois extrai deles um ensinamento (ao estilo de parábolas), as meninas o citam em suas conversas, e se divertem com a lembrança de encenar a peça quando mais jovens.

Representa a evolução das meninas – do Lamaçal do Desânimo à Cidade Celestial – e a visão de mundo que a mãe, protestante, transmite a elas. As histórias podem parecer desconexas entre si, mas além de divertidas, contribuem para compreender como 4 meninas tão diferentes cresceram tão juntas nesse período de privação.

A mãe é posta como grande amiga, conselheira e bússola moral das meninas. A história começa logo antes do natal de 1861, o primeiro sem o pai, quando a mãe dá a cada uma das filhas um livro, orientando que o usem de manual. Diz que o tempo sem o pai será árduo, mas que permanecendo unidas, reconhecendo seus vícios e virtudes e buscando melhorar, conseguiriam. Meg, a mais velha, aconselha ainda que elas lessem um pouco a cada dia, para que as páginas servissem de consolo e guia em sua viagem. E assim é.

A trama mostra justamente o “aprimoramento” das meninas, tornando-se mulheres. Evidencia o amor entre elas, apesar das diferenças, e suas buscas por manterem-se no caminho correto. “O peregrino” as inspira do início ao fim, e também seus pequenos “manuais” e as cartas periódicas do pai as motivam nessa busca. E a mãe está sempre presente, como modelo de caridade, beleza e moralidade para as filhas.

Mas é preciso ressaltar que o livro apresenta diversos estereótipos sobre a personalidade almejada por uma mulher, o padrão feminino do século XIX. A autora era feminista, e radical para a época, mas isso não impede que suas personagens sejam atravessadas pelo preconceito. O ‘aprimoramento’ das meninas consiste, muitas vezes, em anular sua personalidade em favor dos padrões. E todo este processo é motivado, sumariamente, para não decepcionar o pai.

Jo, por exemplo, é elogiada ao final, por ter aprendido a controlar seu temperamento, não correr pelos campos ou se portar como homem. Assim, o livro não apresenta um ideal de moralidade universal, mas de moralidade feminina (branca e da classe letrada).

Os muitos trechos que compõem o drama familiar nos apresentam suavemente a personalidade, anseios e falhas de cada uma das irmãs. São elas:

Margaret (Meg) – É a primogênita, já com 16 anos naquele primeiro natal. Cuida da casa (organizando as irmãs e a empregada) quando a mãe não está presente, e atende ao esperado pela sociedade da época; já no começo é a perfeita “mulherzinha” aos olhos do mundo. Frequentemente tenta assumir o papel de guia das irmãs no mesmo caminho; é mais próxima de Amy.

Tem farto cabelo castanho, olhos grandes e azuis, mãos alvas e lábios suaves. É tida como a mais bela das irmãs. Seu ‘fardo’ é a vaidade.

Josephine (Jo) – é a personagem principal e, para a trama, autora do livro. É uma menina masculina, com 15 anos ao início do livro. Muito alta, magra, e desengonçada, tem como “única beleza” os cabelos negros e fortes. Tem os olhos cinzentos e vivos, como a boca, e um nariz engraçado.

Ama literatura, escrevendo várias peças e crônicas para as irmãs, e buscando seu sonho de publicar num jornal. Trabalha de acompanhante da tia, e é ela que começa o contato e amizade com o vizinho, Laurie. Durante toda a história, rejeita a ideia de romance a casamente, zombando de Meg por querer isso; é mais próxima de Beth.

Ao contrário da irmã mais velha, é relapsa com a própria aparência. Seu ‘fardo’ é o temperamento explosivo e ‘masculino’; ao longo da trama, luta para controlar sua personalidade “feroz e teimosa”.

Elizabeth (Beth) – começa a história com 13 anos. É rosada e tem grandes olhos azuis e infantis, além de uma paixão pela música. Introvertida, otimista e sempre tranquila, parece viver no seu próprio mundinho de felicidade, alheia a tudo menos àqueles que ama. É a mais calma das quatro, sendo apelidada de Miss Tranquilidade. Seu ‘fardo’ é a timidez.

Amy – é a caçula, começando com 12 anos. Tem o ego inflado e se comporta sempre como uma jovem dama. É a artista da família, e a única que usa o nome completo. Descreve-se como uma “donzela da neve” comum: muito branca, pálida e magra, com a visão completada por olhos azuis e cabelos loiros cacheados. Seu ‘fardo’ é o egoísmo.

Nas 255 páginas de Mulherzinhas, assistimos a transformação dessas meninas em mulheres. Nos ajuda a perceber o que era esperado e exigido de uma mulher do século XIX, e seus conflitos internos nesse momento crucial da vida. O livro tem interlocução bem marcada (o que, somando-se às personalidades e acontecimentos, nos leva a crer que Jo é a autora) e descrições agradáveis. Dá intimidade e um clima doméstico há uma história que já tem 150 anos, mas não está obsoleta.

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