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  • Foto do escritorGabriely Di Folco Rocha

Contos fantásticos do século XIX - escolhidos por Ítalo Calvino




Ítalo Calvino, nascido em 1923 foi um aclamado escritor italiano por nacionalidade e paternidade, mas cubano por nascimento. Filho de botânicos, mudou-se para a Itália ainda jovem, e lá cresceu em um sítio exótico da família, repleto de gêneros tropicais. Seus pais flertavam com o anarquismo, e desde pequeno Ítalo conviveu com intelectuais de esquerda. Outro aspecto vital para sua formação política foi o fato de jamais receber ensino religioso, avessamente à sua época.

Já adulto abandonou o curso de agronomia na Universidade de Turim para ingressar na resistência italiana contra o exército nazista, participando também da resistência ao fascismo italiano e tornando-se membro do Partido Comunista. Com o fim da 2ªGM, trocou a agronomia por artes e formou-se em 1947, mesmo ano em que publicou seu primeiro livro: "A Trilha dos Ninhos de Aranha", baseado na própria história de resistência.

Passou a trabalhar no jornal comunista "L'Unità", e na década de 50 publicou os livros que o tornariam famoso internacionalmente. "O Visconde Partido ao meio" (1952), "O Barão nas Árvores" (1957) e "O Cavaleiro Inexistente" (1959) foram seus clássicos que trouxeram repercussão para que ele publicasse outros importantes textos, como "O Castelo dos Destinos Cruzados", "As Cidades Invisíveis" e "Palomar" nas décadas seguintes. Até mesmo em 1956, quando rompeu com o Partido Comunista em razão da invasão da Hungria e dos crimes de Stalin, sua carta de renúncia ficou mundialmente famosa.

Calvino declarava discordância com a autoridade do comunismo soviético, e defendeu publicamente um mundo comunista mais democrático. Chegou a conhecer Che Guevara, e escreveu em sua homenagem. Mesmo sendo reconhecidamente um pensador de esquerda, lhe foi permitida uma visita aos E.U.A. por 6 meses, devido à sua relevância mundial.

A coletânea de contos que reuniu para uma série televisionada em 1983 foi um de seus últimos trabalhos, provando a relevância que dava à disseminação do saber e dos clássicos. Morreu de hemorragia cerebral, em 19/09/1985, com diversos prêmios universitários e uma apresentação à concluir em Harvard. Deixou um imenso legado para a literatura, e difundiu ideais libertários. Foi um homem que teve a chance de ser ouvido, e soube o que dizer.

Em contos fantásticos do século XIX, Calvino reuniu 26 histórias, com anedotas, escanções e explicações pessoais, com o intuito de estudar a evolução do imaginário fantástico do século XIX (de 1801 à 1900), passando do fantástico visionário ao fantástico cotidiano.

Logo no início, Ítalo explica sua visão do fantástico e as subdivisões que ele carrega. Segundo o autor, o fantástico é uma das produções mais características do século XIX e uma das mais significativas para nós. É importante destacar que esse estilo narrativo, oral ou escrito, compõe importantes evidências históricas ao evidenciar a interioridade individual e a simbologia coletiva. O fantástico parece se referir diretamente à nós, emocionando e significando o ser.

É com a especulação filosófica dos séculos XVIII e XIX que o conto fantástico surge - uma narrativa curta, cujos personagens ou fatos estão associados a elementos sobrenaturais, inexplicáveis ou agourentos é perfeita para tentar alinhar a realidade que habitamos e percebemos sensivelmente e a realidade nebulenta do pensamento que nos comanda; além de já contar com um repertório de lugares-comuns bastante amplo devido à tradição romântica alemã.

Ítalo Calvino traz ainda, com sensibilidade e elegância, a visão complementar de outros autores, como Tzevan Todorov. De acordo com o filósofo búlgaro, o elemento fantástico distingue-se do inverossímil maravilhoso (como Mil e uma Noites) por sempre deixar uma brecha para interpretação racional, mesmo que com a prerrogativa do sonho ou da alucinação.

Dessa maneira, ouve uma espécie de refinamento no fantástico durante o século XIX. Para se adaptar às tendências da nova racionalidade o maravilhoso medieval foi logo suplantado pelo fantástico visionário, também substituído pelo fantástico cotidiano. Assim, as narrativas em voga tornam-se mais sutis, e persistem até hoje.

Gostei muito dessa seleção de contos, propiciou-me um passeio pelo passado bastante agradável, e conhecer um pouco da história de Calvino foi bastante interessante também. Pela breve pesquisa que fiz para essa resenha, posso ver que pela extensão de assuntos abordados e o limite de 50 páginas para cada um, esses contos agradaram a gostos muito diferentes.

 

O Fantástico Visionário

1805. História do demoníaco Pacheco (Jon Potocki)

1808/9. Sortilégio de outono (Joseph von Eichendorff)

1817. O Homem de Areia (E.T.A. Hoffman)

1824. A história de Willie, o vagabundo (Walter Scott)

1830. O elixir da longa vida (Honoré de Balzac)

1832. O olho sem pálpebra (Philarète Chasles)

1832. A mão encantada (Gerard Narval)

1835. O jovem Goodman Brown (Nathaniel Hawthorne)

1835. O nariz (Nikolai V. Gógol)

1836. A morte amorosa (Theophile Gautier)

1837. A Vênus de Ille (Prosper Merimée)

1838. O fantasma e o consertador de ossos (Joseph Sheridan Le Fanu)


O Fantástico Cotidiano

1843. O coração denunciador (Edgar Allan Poe)

1847. A sombra (Hans Christian Andersen)

1866. O sinaleiro (Charles Dickens)

1876. O sonho (Ivan S. Turgueniev)

1879. O espanta-diabo (Nikolai S. Leskov)

1883. É de confundir! (Auguste Villiers de l'Isle Adam)

1887. A noite (Guy de Maupassant)

1890. Amour Dure (Vernon Lee)

1891. Chickamauga (Ambrose Bierce)

c. 1900. Os buracos da máscara (Jean Lorrain)

1893. O demônio da garrafa (Robert Louis Stevenson)

1896. Os amigos dos amigos (Henry James)

1898. Os construtores de pontes (Rudyard Kipling)

1899. Em cerra de cego (H.G. Wells)

 

Foi para mim uma leitura muito agradável, e Ítalo Calvino merece todo o crédito por resgatar e compilar esses clássicos traduzidos. Com grande esmero, ele costurou contos aparentemente desconexos, deixando o desejo de ler suas próprias obras. Em suas palavras: um clássico é um um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. Concordo plenamente, e acredito que a análise de Calvino deu um passo na direção de entendê-los.

Estes contos abordam vários arquétipos do fantástico, e tem uma bela diversidade descritiva e narrativa. É muito difícil não gostar de nenhum, e foi uma disputa eleger meu preferido, o último. Em terra de cego (quem tem um olho é rei!) segue-se em qualidade a "o demônio da garrafa", "a sombra", "o coração denunciador", "o olho sem pálpebra", "o elixir da longa vida" e "sortilégio de outono".

Apesar de eu não ter gostado de todos os contos, o que pretendo abranger em uma próxima resenha, passar por todos eles e entender a passagem do tempo e da percepção humana é muito enriquecedor. E foi possível encontrar várias pérolas da literatura, belas na forma e no objetivo.

Essa coletânea é extraordinária, e ainda tem muito a dizer.

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