Thriller muito bem narrado, o romance de estreia de Charlie Donlea analisa um feminicídio escuso.
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Summit Lake, 17/02/2012. Um povoado tranquilo, situado nas montanhas Blue Ridge, na Carolina do Norte, funcionando como cidade turística. Cheia nas férias, com esportes aquáticos e pistas de esqui alternando-se com a ordem do clima, a economia baseada no turismo em torno do aconchegante lago.
É nesta paisagem bucólica que as vidas de 2 mulheres se encontram. Becca Eckersley e Kelsey Castle poderiam, certamente, ter sido ótimas amigas. Ambas jovens, saudáveis, astutas e gentis, no auge da vitalidade.
Porém, só se convergem quando uma delas é brutalmente assassinada.
Inverossímil para seus conhecidos, a morte é a única da história do tranquilo povoado. Becca estava tirando um tempo para estudar antes do retorno da pós graduação, quando de repente é encontrada violentada e congelando no chalé aberto da família. A partir deste acontecimento chocante, descrito logo no primeiro capítulo, a trama se desenrola.
A ação começa quando Kelsey Castle que claramente acaba de passar por uma tragédia, resolve romper com sua licença de 6 semanas antes do esperado. Estarrecido, mas não surpreso, o redator da Events a envia por um mês para a tranquila Summit Lake, na esperança que voltar à ativa com conforto à ajude a apaziguar a mente.
O livro se divide em 4 partes: “A cachoeira do sol da manhã”, “Autoajuda”, “Olá, detetive” e “Três batidas”. Todas elas guiam-se pelo tempo presente, ou seja, pela história de superação da Kelsey. De março a maio, a repórter destrincha os acontecimentos, irritando autoridades que preferiam abafar o caso. A personagem é esférica e cuidadosamente entalhada, merecendo uma atenção especial.
Kelsey Castle, repórter investigativa renomada, ajudou a criar a Events. Excelente em seu trabalho, criou conexões ao longo dos anos, como as que necessita para a resolução do caso. Já na trama, é um pouco surpreendente - e improvável - que ela as faça tão rapidamente. Para justificar um acordo de exclusividade com a polícia, uma fonte no hospital e moradores receptivos à perguntas logo na primeira semana, o autor se escora fragilmente na pequena fama da jornalista e na insatisfação local com o abafamento do caso (que ainda não foi consumado).
Por outro lado, a principal relação da repórter é melhor construída: Penn Courtney, redator da revista, a considera como filha e a ajuda a desacelerar. Afinal, ela passou, provavelmente no início de fevereiro, por um trauma que prefere ocultar, fugindo da pena alheia e afogando os próprios sentimentos.
Embora Charlie Donlea trate o assunto com delicadeza e mistério, o acesso quase irrestrito aos pensamentos de Kelsey deixa óbvio o que aconteceu. É decepcionante que seja exibido como um grande segredo nos primeiros capítulos, talhando o suspense juntamente com um aprofundamento mais claro daquela que deveria ser a protagonista.
Apesar desse deslize, a personagem é bem construída. Suas ações são bastante coerentes, e ela não tem medo de contar com a ajuda disponível, dando um tom realista à história. As pistas falsas são muito bem disfarçadas e o protagonismo não é exagerado, algo bastante raro e utilíssimo à verossimilhança;
A história de Becca parece projetar-se em Kelsey. A repórter que foge da piedade alheia e busca seguir a vida como antes se reconhece na pós-graduanda em direito. Curiosamente, a morta parece mais viçosa que a viva, que se afoga em dores reprimidas.
Rebecca Eckersley é um tanto contraditória. Estudiosa, elegante e bem-nascida, como retroativamente narrada pelos conhecidos, é certinha demais. Seus pais e conhecidos superficiais viram apenas o que ela queria mostrar: a perfeita boa-moça. Já acompanhar os acontecimentos em seus capítulos é outra história. Conhecemos uma jovem adulta, recém-saída da adolescência e aproveitando a vida. Ela flerta quando bem entende e não vê necessidade de se explicar. É tão carismática e tem tal capacidade de colher os frutos (mesmo que condenáveis) disso, que fica óbvio que parte de seus atos tem segundas intenções.
Charlie Donlea descreve a odisseia das duas moças com uma sensibilidade emocionante. A troca de foco narrativo contribui para o suspense da trama, que inunda o espectador ora de medo e ora de alívio. Tristeza pela morta e esperança pela viva estranhamente se unem pelos acontecimentos violentos que ambas sofrem.
Na edição do faro editorial, lançada em 2017 - com uma capa lindíssima e título em relevo -, possui 296 páginas. Além disso, a tradução de Carlos Szlak para o livro de 2016 foi muito bem executada, com clara atenção a redundâncias.
O núcleo de ação de 18 meses – 14 antes e 4 depois da morte de Becca – é bem dividido, com o nome da protagonista, lugar, data e posição em relação ao crime a cada capítulo. Porém, não há nome neles, aumentando a carga de suspense. O narrador onisciente se desloca entre as duas mulheres, falando de seus medos, dores e planos com suavidade. É comovente assistir a esses sentimentos se encontrarem.
Começando com um poema que descreve muito bem os questionamentos de Kelsey – muito mais para si mesma do que para Rebecca – a mistura de ficção policial com mistério nos leva por uma montanha russa de emoções. O clichês são bem utilizados, e só peca em subestimar as leitoras tratando, no início, um fato explícito como segredo.
And if all your dreams come true
Do your memories still ending up haunting you?
Is there such a thing as really breaking through
To another day and a brighter shade of blue?
Ótimo para leitoras com estômago forte, a garota do lago é excelente para uma boa reflexão.
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