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Estava dormindo, sonhando de um jeito esquisito, que não costumava sonhar depois de um dia de trabalho. Se lembrava apenas de deitar e acordar gritando... e, é tinha uma boneca. A mesma da prateleira no pequeno quarto que dividia com os irmãos.
Fechou os olhos para tentar se lembrar do resto. Lembrou de estar trabalhando na plantação da família, quando a boneca de pano que a mãe fizera pegou-lhe pela mão, sem dizer palavra, e começou a andar. Lembrava de seguir, estranhando que boneca mole fosse tão rápida, e de chegar sem saber como numa casa grande, senhorial, onde entrou com a boneca mesmo sem convite. Não teve nem tempo de estranhar a boneca andar, e já estava lá dentro.
Lá dentro, o pai e um outro homem, gordo e cheio de anéis, conversavam acaloradamente, como se as duas não estivessem presentes. A menina, com a roupa de dormir, fez menção de sair, mas a boneca, forte, impediu. Ficaram lá, assistindo o que parecia uma negociação particular.
Presa, a menina resolveu apenas aceitar, já que não tinha outra escolha mesmo. Começou a prestar atenção na conversa, e notou que o pai parecia nervoso. O homem gordo (e ela repreendeu-se por pensar assim) entregava ao pai, que parecia nervoso, um copo com líquido escuro e quente. O pai aceitou, enquanto o homem falava dos benefícios de plantar aquilo, e umas palavras que pareciam outra língua, como “tendência internacional”, “rentabilidade na bolsa” e “amortização sem alíquota”. Não ouviu o resto, e a boneca já estava puxando-a de novo.
Foram tão rápido que a menina já nem viu o caminho, e estava farta daquela esquisitice quando chegaram na maior casa que já tinha visto. Pensando bem, agora que se sabia acordada, não era bem uma casa, mas um monstro cinzento com muitas chaminés. A boneca arrastou-a para dentro do monstro, grande como uma vila do lado de dentro, e cheio de pessoas uniformizadas. Achou tudo aquilo muito estranho, e viu as pessoas todas viradas para uma esteira, catando grãos marrons, quase pretos, e os colocando em sacos enormes.
Era então, lembrou ela, pressionando os olhos com as mãos, enquanto encostava a cabeça na parede atrás do beliche, que o homem aparecia de novo. Com mais anéis, envelhecido e uma bengala dourada, ele entrara no descomunal monstro de metal, dizendo que só faltavam 3 horas.
Então, pela primeira vez, a boneca falara:
- É isso que acontece se seu pai aceitar a proposta. Vocês perdem a fazenda, ele morre, e você e seus irmãos vem trabalhar aqui. Acha ruim dividir o quarto com suas irmãs? É porque você ainda não viu os daqui. Não gosta de trabalhar no campo? Que tal trabalhar o dia inteiro separando grãos? O único jeito de impedir isto – disse com gesto amplo e impaciente para o metal – é impedindo o negócio.
Fitara a boneca, sem entender. Devia estar enlouquecendo pra sonhar com boneca falando. Mas então veio o motivo que a fez acordar assustada. Uma das pessoas uniformizadas se virou para apanhar outro saco. Era ela.
Recostou-se na parede, espantada. Ou estava louca, ou aquilo era verdade.
- Levanta, Maria, a mãe precisa de ti, tem um homem cheio de anéis aqui querendo falar com o pai – gritou a voz de um dos irmãos pela janela.
Sabia o que fazer, e tinha que ser logo. A boneca piscou para ela, da prateleira.
Sonho premonitório, cheio de símbolos. Psicanalistas curtem!