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Escrita por Christian Cameron, ‘Tirano’ é uma excitante crônica de guerra. Tendo por objetivo recriar o cenário histórico das expansões helenísticas, mas sob a perspectiva do ateniense Kineas, o autor consegue ambientar um cenário extasiante de mudanças e perigos. Aliada à excepcional reconstrução do contexto histórico, temos uma trama densa, surpreendente e cativante, que nos acompanha por 554 páginas.
Somos apresentados logo de início a uma personalidade forte, bélica e determinada, Kineas. É esse ateniense exilado por ser ex-combatente de Alexandre que é convocado pelo hiperetes da cidade de Olbia submetido às vontades de um tirano. Porém, a perspectiva de uma invasão lembra á esse mercenário que a guerra é o pior dos tiranos.
A história é repleta de dramas políticos entre Macedônia, Olbia e os sakje (bárbaros vistos como ladrões), além do crescimento militar, pessoal e filosófico das personagens. Além da força da história em si, a história é latente em cada página. Desde as formações militares, passando pelo espaço, até a cultura, povos e língua – Cameron chegou a misturar dialetos nórdico para criar um dialeto verossímil aos bárbaros – é tudo muito bem feito e real.
Um dos maiores pontos fracos é a massividade de alguns trechos. A narrativa precisou de tanta ambientação histórica para soar real que certos trechos necessitam de muito esforço (e até pesquisa) para serem compreendidos. Mas esse esforço é compensado – a começar por uma rica simbologia.
Uma das grandes sacadas do autor foi não economizar nos referentes. A determinação para criar um universo real é palpável a cada armadura, escudo, formação, ideia, dialeto e expressão facial. Depois que se percebe isso, a narrativa suga o leitor para algo incrível.
Desde o início, sabemos que a guerra se aproxima. A narração da batalha é extasiante e frenética, mas eu gostaria de chamar a atenção para outra coisa. Nas primeiras páginas, temos pouca ou nenhuma afeição por Kineas, que parece apenas um homem bruto e pouco interessante. É essencial para a narrativa que não comece já na batalha, pois quando ela chega, estamos prontos para decidir por que lado torcer.
Outro ponto incrível é a filosofia da guerra. Como principal agente disso temos o também exilado espartano Fílocles, que faz parte da comitiva inicial de Kineas. De filósofo à Ares, ele parece encarnar a guerra quando a adentra, mas mesmo fora dela, traz lógica a batalha e aos ensinamentos de Homero.
Durante o livro, nos vemos frente a questões sobre justiça, morte, amor, piedade, virilidade, direito e vingança. Mas no fundo, se está na Ilíada, se Aquiles o fez, não pode estar errado.
“E a única coisa que torna nobre a profissão deles é o fato de que vão para que outros não precisem ir.” “As regras da guerra têm uma finalidade. Cada violação aumenta o ódio entre os inimigos. Cada regra observada afasta o ódio. Se duas cidades entram em guerra, e ambos respeitam seus juramentos, seguem as regras e temem os deuses... nesse caso, ao terminar a disputa, podem voltar a comerciar. Mas se um dos lados viola uma trégua, assassina mulheres ou tortura prisioneiros, nesse caso o ódio impera e a guerra se torna um modo de vida.”
Quanto aos sakje, com eles vem o romance da trama. Equilibrado num fio de espada, Ares e Afrodite caminham sempre juntos, como já dizia Homero. Mas, para que o amor se abra, é preciso entender o medo e a disputa. Somente subindo a árvore da vida – que entrelaça perfeitamente mitologias greco-romana e nórdica – será possível compreender a morte, e quanto tempo resta até que três velhas cortem o último fio. E só se pode fazer isso como um bacqa.
Cameron pincela fulgor, e consegue fazer como Pablo Neruda uma vez disse – começa com uma letra maiúscula, termina com um ponto final e, no meio, coloca ideia. E é assim que ele transforma ideias simbolicamente complexas como o que motivou milhares de homens e mulheres a morrerem pela vitória, ou uma formação helenística extremamente tática, em emoção. As páginas voam, e quando a batalha se trava, o daimon voa com elas para dentro do leitor. Até que chega o fim, inesperado e ainda mais simbólico. Perfeito quando se sintoniza.
É um romance bélico de tirar o fôlego, mas requer atenção e vontade. Christian Cameron certamente nos presenteou com uma obra prima – ou melhor, 3. Estou ansiosa para ler a continuação, quando for publicada no Brasil.
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